sexta-feira

Magnólia

Tenho frio, muito frio, como fria está ela agora. Morreu, murchou como uma flor na primeira semana de vida. Abraço o seu pequeno corpo sem vida, envolto em panos, fruto de um amor que com ela será sepultado. Num pequeno caixão de madeira, arca que guardará para a eternidade o tesouro que dias antes me alegrava as manhãs e agora me dilacera a alma.
O seu corpo é mole, cartilagíneo, que se desconfigura conforme o aperto, com força, contra o meu corpo molhado, como se fosse deixando de ser minha para ser de outrem, cada vez mais de outrem. [E a água ainda corre, ainda ouço os pequenos membros movendo em desespero, a campainha tocando]
Está azul, tão longe do tom rosado da sua cara sorridente, tão pouco minha. Não tinha nome ainda, amor de sua mãe, talvez, ou meu bem, mais nenhum. Chamar-se-ia Mariana ou Carolina, ou nomes bonitos que combinariam com a criança bonita que seria, mulher de beleza amena de quem me orgulharia um dia. Mas não, esse tempo em potência não mais existe, como ela.
Tenho frio, tenho muito frio, aperto-a contra mim, enquanto mergulho na mesma água que ma roubou, tentando resgatá-la. Inspiro, fundo, para nada, que em breve os meus pulmões vão-se inundando…
E então vejo-a, cresceu, é bela, fruto de amor, nariz do pai, o resto meu. Abraço-a, neste e no outro mundo. E o frio desaparece.



Magnolia e This Will Destroy You

3 comentários:

N.R. disse...

Magnolia e noites estranhas, daquelas que inspiram para escrever coisas bonitas.

b.a. disse...

Magnolia riscado, conto da Maria Nessa, conto de Ribeiro, Marissa Nadler (?), Mahjong e Copas, janela aberta e mosquitos, edredons no chão e três prémios nobel (apenas porque nesse noite também se falaram de fantasmas).

N.R. disse...

Faltou o Livro do Desassossego e os 2 sustos da autoria do Cabral, mais o meu, Bárbara Joana.

E uma noite dormida no chão, para endireitar as costas e ajudar a olhar para cima.