A imagem da donzela com flores no vestido branco e as pedras no colo, semi-flutuando no rio, no centro de uma imagem bucólica, sempre me fascinou. Imagino assim a tua morte, Virgínia, com os teus longos cabelos negros a contrastarem com o claro do vestido. Pena os teus cabelos não serem longos ou os teus vestidos brancos, nessa tua necessidade de parecer semelhante aos que nunca podem ser teus semelhantes, de te esconderes entre os mortais, deusa minha caída em desgraça.
Como consegui que fosses minha, fénix? Como consegui eu domar-te e possuir-te e submeter-te a mim, pobre homem a tentar ascender ao divino?
E sobre mim agora desfaleces, suada, e as tuas pernas fortes deixam de me prender com força, na tua languidez pós-coito, deitando-te ao meu lado, fitando o vazio. A tua respiração vai abrandando e vejo o teu pescoço exposto, tão fácil de quebrar, como tu fazias com as tuas bonecas, tirana desde o berço. E agora o alvo da tua maldade sou eu, que te mata o desejo do corpo e pouco mais, a quem nunca te entregas por completo, como aqui se vê, agora que dormes alheada do universo e de mim, eu que queria tanto abraçar-te e proteger-te e tu não mo permites, deixando-me dominar-te quinze minutos de cada vez, que mata a fome mas deixa a sede e o vazio…
Oh, e esse teu pescoço desprotegido! E se o torcesse e me libertasse de ti? Voltarias para me assombrar? E nisto delicio-me, pensando como seria dominar-te para além do sexo e do teu orgasmo. O meu coração acelera, as minhas mãos tentam alcançar o teu pescoço, tornam-se senhoras de vontade própria e eu senhor de uma força que desconhecia.
Mas nisto tu abres os olhos, Salomé desgraçada, e toda a minha força se perde. Perguntas-me o que se passa, porque te olho tão fixamente. Digo-te as palavras que as mulheres apreciam ouvir, algo relacionado com a tua beleza ou o teu corpo, tu esboças um breve sorriso e levantas-te, nua no corpo e na substância, uma pequena cabeça oca igual a tantas outras que quando sodomizo tomo por deusa. Puta, cadela, animal nojento que me prende por magias negras.
Prometes voltar no dia seguinte, enquanto te vestes. Beija-me levemente os lábios e vais-te, enquanto eu acendo o primeiro cigarro do dia. Observo as nuvens de fumo de me cercam, que se abstraem da vida que existe lá fora ou do cheiro que deixaste no teu lado da cama. Sim, porque existe o teu lado da cama, onde te procuro, à noite, depois de me teres abandonado na tua necessidade de parecer livre quando estás tão presa como eu. Talvez mais vulnerável ainda, como esse teu pescoço desprotegido.
O cigarro finda-se e enrolo o corpo nú nos lençóis em tons pastel que a que te antecedeu comprou. Oh, e um sádico sorriso aflora-me os lábios quando dela me lembro, da sua carência e fragilidade exposta, da sua passividade na cama, em tudo tão diferente de ti.
Adormeço. Sonho com a tua morte, violenta, e eu banhando-me no teu sangue que me corrói a pele, os músculos, até nada mais sobrar de mim que um amontoado de ossos articulados, veneno que sempre soube que eras.
É quase meio-dia quando acordo, cada vez mais atormentado. Ligo para o colégio, invento uma desculpa pouco credível, e ligo para a Sofia, criando outra diversão para não buscar os miúdos à escola, estou demasiado cansado para aturar esses neo-hippies que ajudei a conceber. Grita comigo, a puta frígida, diz que a culpa é tua e eu desligo o telefone, demasiado cansado para a ouvir.
Vou para a varanda e acendo um, dois, três cigarros, o maço inteiro baila por entre os meus dedos, constantemente troncado de parceiro. Gostava de dizer que penso em ti olhando a cidade, bela, cosmopolita mas com laivos de decadência que a elevam a um patamar que nenhuma outra alcançará, mas a verdade é que penso em outras, em todas as outras, enquanto fito o bairro habitacional vazio, no meio da tarde. Terão sido tantas assim?
[inicio de mais um conto, tentando voltar ao D&F original]
Around the one i love
Há 12 anos
1 comentário:
Bruto. Já te tinha dito quanto tinha gostado deste, quero ler o resto quando o acabares.
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