quinta-feira

O Labirinto de Fauno

Vive sozinho, o fauno, como todas as personagens destas histórias. Tem por companhia as árvores mortas da floresta e está de tal modo habituado a elas que já de madeira se começa a tornar o seu corpo, já folhas nascem das suas mãos ramificadas, flores não que isso seria um acontecimento feliz e isso o fauno não quer, por isso está sozinho.
Rejeita a alegria, este nosso fauno, tem medo de risos e alergia ao toque, excepto quando toca nos pequenos animais que devora ainda vivos, começando pela cabeça, que é retirada vorazmente, deixando um corpo movimentando-se sem coordenação e muito sangue caindo na suja barba do fauno, muito suja de muitas matanças.
Dorme em cima das raízes de um grande carvalho moribundo, do qual já se tornou parte. Dorme não, permitam-me que corrija: repousa o corpo cansado por mais uma presa, que os seus olhos não se fecham, é demasiado perigoso, correria o risco de sonhar e de, pelo sonho, um sorriso aflorar-lhe a face e isso ser-lhe-ia fatal.
Não sabe há quanto tempo não dorme, as datas há muito se perderam nos labirintos que o tempo cria. Apenas se sabe muito velho, mais velho que o próprio tempo ou que o arquitecto que o projectou, metáfora sem sentido apenas nesta sociedade libertina permitida.
Guarda uma velha arca, o nosso fauno, um baú de madeira muito gasta e coberta de folhas mortas e terra, desleixo do guardião. Nunca a abriu, o vigilante silencioso, não especula acerca do que ela encerra, não quer saber, tem apenas por missão protegê-la, até que o tempo leve um deles, sabendo que isso não acontecerá, que ambos lhe sobreviverão, há muito que deixou de esperar o fim, há muito que não espera nada, apenas guarda a caixa de madeira misteriosa, da qual apenas sabe que, quando a Lua se ergue cheia no céu, e se, por algum acaso, algum pedaço do seu apodrecido corpo toca na arca, podemos ouvir, muito debilmente, como que um sussurro fantasmagórico que assombra a noite na morta floresta, um cortante choro de mulher.




começou sendo uma personagem de um desenho, como todos, e acabei inventando-lhe vida e missão. um dia uma história. [Living Together, Circa Survive & Panda Bear]

1 comentário:

N.R. disse...

Ficamos à espera da história. :)