quarta-feira

Fleur de Saison

Queria forrar o quarto com os meus desenhos e a tua poesia, o meu traço e a tua alma, para me sentir em casa quando a ela chegasse, ainda que uma vez de mês a mês. Queria não deixar um só espaço livre deles, fora o quadro da audrey que guardo com carinho, boneca de luxo e musa minha, ou os desenhos que estraguei em telas.
Para a semana pintá-lo-ão, não coles coisas na parede, diz a mãe. E eu obedeço, pensando que o laranja de outros tempos já não me serve, já não adere à minha pele, sedenta de tons mais escuros. Por isso não te expus na parede ao lado da secretária, em frente ao retrato da audrey ou por cima da cama baixa, guardei-te antes numa gaveta da secretária de madeira escura, juntamente com as dezenas de desenhos antigos de seres definhados que arranco do caderno, esperando que definhes com eles, com as dezenas de traços mal delineados com que ocupo horas que deviam ser de estudo ou de convivência com quem me ama mas que são passados comigo mesma, nessa necessidade de me ocupar de mim o tempo todo.
Para a semana o meu quarto estará bordeaux, quase cor de sangue, para combinar com o abandono a que foi deixado, aos livros já lidos que se acumulam na secretária, aos vestidos pretos que são deixados de forma anárquica no cadeirão e à alma minha que sangra sem razão.

1 comentário:

N.R. disse...

Esperemos que o possas pintar de outras cores no futuro.