terça-feira

Ugolina

Ugolina desce a rua. Tê-la-á descido muitas vezes, noutras histórias, mas essas foram outras Ugolinas e outros tempos, ainda que estas sejam iguais ao canídeo prenho, de patas magras e pulguento que aqui vemos, caminhando languidamente.

Pára e morde o ventre, pensando já nas crias que dentro de dias parirá para devorar em seguida, como o fez com todas as ninhadas que antecederam a que agora transporta.

Não julguemos a cadela infanticida ou a maneira de se alimentar, quase criação em viveiro dentro da própria, fornicando para se alimentar, prostituta no mundo dos canídeos, por isto já é Ugolina odiada, por esta diferença, por comer o que o seu ventre dá, como teriam pena se tivesse três pernas ou lhe afagariam o pêlo se este fosse mais macio ou se fosse um animal bonito. Mas não é bela, ou possui pêlo macio, muito menos três patas, não podendo, por isso, ser amada, limitando-se a encher a barriga com o próprio sangue, animal sem alma, que carinho para lhe encher o peito não tem. Não o tem como não o tiveram nem terão as suas crias, esventradas ainda cegas e indefesas, sem tempo para lhe chegarem ao peito, consumidas até às pequenas cartilagens pela fome materna.




Personagem de “O Ano da Morte de Ricardo Reis, de J. Saramago, inspirada pelo “Livro do Desassossego”, Metric e a minha Babixe, linda ainda nos seus dezoito anos.

1 comentário:

b.a. disse...

oh meu deus meu deus como gosto de vocês =)