Acorda e olha em redor: tudo de um branco estéril, mais estéril do que ela, aquele irritante branco de hospital, que lhe lembra a morte e a mata um pouco. Depois o cheiro invade-lhe as narinas e adormece todos os outros sentidos: o maldito cheiro a doença, entranhado nas paredes, na cama, nos lençóis, nela. Como preferiria o cheiro a urina e a fezes e a carne podre, o cheiro a cadáver, a ferida infectada, um cheiro que lhe lembrasse da vida imunda que existe para lá destas quatro paredes descoloridas, de que do outro lado existem risos e lágrimas e gritos, vida e tudo que arrasta consigo.
E divaga sobre isto como se se tratasse de um assunto de suma importância, como se nada fosse mais importante do que a cor e o cheiro de um hospital.
Ainda se sente tonta, da anestesia provavelmente, sem as dores que lhe são companheiras de uma vida, com as quais morrerá. Mas ainda estamos muito longe desse momento.
Desperta agora do torpor causado pelos medicamentos e, entrando na sua mente, começamos a ver imagens surgirem, vindas de todas as direcções, qual películas de filme de uma longa metragem que é a vida desta mulher. Primeiro são confusas e desfocadas, enfeitadas com a cor o seu sangue, abrilhantadas pela cara de angústia dele, coloridas com o desespero dela...
Leva a mão ao ventre e uma cascata que soluços sacodem-lhe o frágil e maltratado corpo.
O seu útero: casa e cemitério de todos os filhos que geraram.
Amaldiçoa-se, ao acidente, ao Deus que sabe não existir: de bom grado acreditaria nele agora, em troca dos embriões que o corpo rejeita e expulsa em pedaços, crianças que a sua frágil estrutura não consegue sustentar, parasitas que lhe tentam roubar a vida. E conseguem-no: por cada criatura grostesca e morta que o seu corpo expulsa, as dores aumentam, a vida deixa-a um pouco.
[conto demasiado extenso para aqui ser exposto]
Around the one i love
Há 12 anos
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